O P.e Leopoldino Mateus nasceu na Póvoa de Varzim em 9 de Janeiro de 1879, na Rua da Assunção, junto ao castelo, e aí faleceu em 27 de Janeiro 1966. O seu pai chamava-se Francisco Rodrigues do Mateus e a mãe Josefa de Jesus. Leopoldino era o mais velho de seis irmãos e o único rapaz. O pai era alfaiate, mas foi também carteiro. Eram gente ligada à tradição poveira da pesca e de muito poucas posses.
Até recentemente, só se evocava o P.e Leopoldino Mateus para dar conta da sua intervenção junto da Beata Alexandria; agora, a perspectiva alargou-se e é possível falar dele como pároco de Balasar, como pároco em concreto da Beata Alexandrina, como coadjutor da Póvoa de Varzim, como jornalista e homem de cultura.
É muito elucidativa e com pormenores desconhecidos esta apresentação que o jornal poveiro A Defesa fez dele nos seus 50 anos. Veja-se parte do que se escreveu ao centro da primeira página, em 20 de Janeiro de 1929, sob o título “P.e Leopoldino Mateus”.
Em 1885 matriculou-se na Escola Camões, em que era professor o Sr. Joaquim Francisco Fernandes Cunha, e em 1886 foi transferido para a Escola Gomes de Amorim (Pereira Azurar), em que era professor o Sr. José Alves Vieira, de saudosa memória.
Tendo feito o exame de Instrução Primária no Liceu de Braga, em Abril de 1890, e destinando-se à carreira eclesiástica, entrou em Outubro do mesmo ano para o Seminário de Santo António e S. Luís Gonzaga, onde frequentou o curso de preparatórios, que concluiu em Julho de 1895.
Por falta de idade, só entrou em Outubro de 1896 para o Seminário Conciliar de Braga, onde concluiu o Curso Teológico em Junho de 1899. Foi professor no Colégio de S. Joaquim, em Chaves, de 1900 a 1901, e celebrou a sua primeira missa na Igreja Paroquial desta vila no dia 28 de Setembro de 1901.
Antes de ir para Balasar
E continua o artigo, para falar dele já como sacerdote:
No dia 1 de Janeiro de 1902, entrou para capelão do Senhor dos Navegantes, nas Caxinas, até Outubro de 1906, em que foi admitido como capelão da Confraria das Almas, onde se conserva.
A 8 de Agosto de 1908, foi nomeado pelo saudoso Prelado D. Manuel Baptista da Cunha coadjutor desta vila, lugar que tem desempenhado com zelo e actividade, ininterruptamente, durante a paroquialidade dos Reverendos Priores Manuel Martins Gonçalves da Silva, José Martins da Silva Gonçalves, Álvaro de Campos Matos, Aurélio Martins de Faria e Alexandrino José Leituga. Tendo-se dedicado à pregação, já tem percorrido uma boa parte do norte do país, onde tem sido muito apreciado.
Nas corporações religiosas já foi, durante algum tempo, juiz da Confraria de Nossa Senhora do Rosário e segundo secretário da Senhora de Lourdes e Mesa da Associação do Coração Agonizante de Jesus; fez parte da Comissão da Senhora do Desterro, dando-lhe grande impulso, e hoje é membro da Comissão de Santo António, da Matriz. Em corporações civis, foi presidente da direcção da Associação de Socorros Mútuos (A Povoense), em 1907, salvando-a do perigo que a faria soçobrar, mais do que uma vez presidente da assembleia-geral da mesma e presidente do conselho fiscal, durante dois anos, da Mutualidade. É o actual presidente da assembleia-geral da Fúnebre Familiar e foi presidente do conselho fiscal da Associação Humanitária dos Bombeiros Voluntários durante o biénio findo.
De Julho de 1912 a Junho de 1917 foi presidente da direcção da Associação de Caridade «A Beneficente», cargo em que desenvolveu um carinho e dedicação exemplar pela causa dos pobrezinhos e durante alguns anos foi membro activo da Conferência de S. Vicente de Paulo.
Dedicando-se ao jornalismo é redactor efectivo do considerado semanário local «A Voz do Crente», colaborador do nosso semanário e do «Comércio da Póvoa de Varzim», do «Mensageiro Eucarístico» de Braga e correspondente do importante diário católico de Lisboa «As Novidades» e do semanário do Porto «A Ordem». Tem feito parte de diversas comissões festivas, principalmente da Festa Marítima, em que tem revelado o seu amor pela Póvoa.
O nosso estimado colaborador foi muito cumprimentado no dia das suas bodas de ouro, tendo havido na Igreja Matriz missa e grande comunhão pelo seu aniversário natalício – 50 anos. Fazemos votos ao Céu pelo prolongamento da sua preciosa e estimada existência. J.A.M.
N’A Voz do Crente de 4 de Janeiro escrevera-se, depois de o P.e Leopoldino ser declarado “orador sagrado, ilustre e primoroso jornalista e nosso colaborador assíduo e dedicado”:
No desempenho das funções do seu ministério, o Rev. Leopoldino Mateus, diligente e canseiroso, desenvolve uma actividade pasmosa e modelar. Apesar disso nunca o tempo lhe falta para nos prestar os seus valiosos e apreciáveis serviços.
A redacção aproveita o ensejo para lhe tributar “o nosso agradecimento pela sua boa colaboração e prestar-lhe a nossa solidariedade jornalística contra as insinuações baixas e torpes com que alguns pretensiosos, cheios de orgulho e presunção, têm tentado ofuscar o brilho das suas primorosas crónicas, cheias sempre da mais sã doutrina”.
Infelizmente, não se esclarece aqui o papel que o P.e Leopoldino teve nas duras lides jornalísticas dos primeiros anos da República.
Só para se fazer uma apagada ideia do que isso foi, ao menos nos anos mais quentes do confronto com a Igreja, leia-se o que segue.
No começo de Janeiro de 1912, quando o P.e Leopoldino completava 32 anos, O Poveiro, de que era colaborador, anunciou o seu aniversário e deu-lhe os parabéns:
Os nossos parabéns vão não só a ele, que ele tudo merece, mas a seu extremoso pai e a sua família, que o não esquecerá. Ao padre Leopoldino Mateus, acérrimo defensor das doutrinas da Igreja, um apertado abraço e muitos anos de vida na boa carreira que segue em honra da nossa terra.
O Intransigente, jornal republicano ultra, achou por bem tirar estas inqualificáveis conclusões da delicada saudação:
1 – Que o Padre Leopoldino fez anos, no dia 7 de Janeiro, que se resolveu vir visitar a luz do sol a este mundo;
2 - Que tem sido um bom camarada do Laurindo, do Prior e dum outro imbecil a quem chamam Alfredo Fernandes da Silva, o Fresco, espécie dum nojento trapo arremessado a uma sarjeta, coadjuvando-os nas escabrosidades da cloaca jornalística;
3 - Que, para honra da crença professada por aquela merdífera raça de gentalha, a companhia do padre Mateus é indispensável e insubstituível;
4 – Que, por tudo isso e pelo mais que não souberam dizer, engasgados como ficaram, pelo taco das grandes comoções, o padre Mateus teve de pagar algumas canecas de vinho e receber os mil e um parabéns da pitoresca confraria.
Pois receba, agora, o padre Leopoldino Mateus também as nossas felicitações, pelo seu aniversário natalício, e continue a deliciar-nos com as caldeiradas do seu engenho e arte de escrever «relâmpagos», que parecem «frescas» baboseiras de fadista aperaltado; «secções alegres», destinadas a anavalhar, caluniosamente, a honra alheia e «críticas de tacão», para rebaixar os sentimentos dos democratas e enaltecer as «virtudes» dos milhafres da grei jesuítica. E tudo em nome de Deus?!...
Esta linguagem (que infelizmente ainda é possível encontrar hoje em certos meios) comenta-se a si mesma; mas a elevação d’O Poveiro era conhecida, tanto que em tiragem ultrapassava de longe os outros semanários da terra e aos poucos projectava-se como de dimensão nacional; foi então que os republicanos o silenciaram.
Alude-se no escrito a rubricas jornalística atribuída ao P.e Leopoldino, mas não é garantido que essa atribuição corresponda à verdade.
Este exemplo de torpezas com se queria ferir o bom nome do P.e Leopoldino não foi caso único: repetiu-se no mesmo jornal e está nas declarações prestadas pelos republicanos radicais por altura do complô monárquico[1].
Aquando do II Congresso Eucarístico da Arquidiocese de Braga, que teve lugar na Póvoa de Varzim, em 1925, publicou-se então um opúsculo, que era uma espécie de número único de revista. O P.e Leopoldino, que foi o secretário desse Congresso, colaborou com um escrito intitulado «A Fé dos Poveiros». Escreveu ele:
Mais uma vez, a religiosa vila da Póvoa de Varzim, por ocasião do Congresso Eucarístico, vai mostrar a Portugal inteiro que a sua fé em Jesus é viva e fervorosa e que os seus corações consagram a Jesus-Hóstia a mais sincera das dedicações.
Como a maior parte da população pertence à classe piscatória, são os filhos do mar, os humildes poveiros, que vão tomar parte activa nas grandes solenidades que se realizam por essa ocasião.
Não é de hoje a fé dos poveiros a Jesus Sacramentado; herdaram esses sentimentos dos seus maiores, que tiveram sempre o cuidado de, com o seu exemplo e com os seus conselhos, incutir no ânimo dos filhos a sua crença em Jesus e a sua devoção à Virgem da Assunção.
Na capela da Lapa, erigida pelos valentes pescadores em honra da sua augusta padroeira, Maria Santíssima, conservam o SS. Sacramento, a quem não deixam de prestar homenagens da sua piedade e amor filial.
Alguns anos houve até que, na segunda-feira de Páscoa, era promovida uma festa em acção de graças ao Senhor Sacramentado pelos benefícios concedidos durante o ano.
(…)
Depois, como no actual regime fosse proibido levar o Sagrado Viático aos doentes, parece que tinha esmorecido a fé dos poveiros a Jesus-Hóstia, mas não! Veio a Arquiconfraria dos Pajens do SS. Sacramento arregimentar as criancinhas, para, aproximando-as do seu Criador, haurirem nessa fonte salutar graças copiosíssimas e bênçãos salutares.
Como Jesus deve estar contente com esses humildes poveirinhos que, de tão pouca idade, amam já o seu Jesus, recebem-No com frequência e adoram-No com afecto.
Como Jesus deve estar alegre, porque nessa capela muitas vezes, pela ausência de fiéis, entregues às lides domésticas, o Manso Cordeiro estava só, tendo frio, apesar de ter formado o Sol, porque lhe faltava o calor dos corações; padecia sede, apesar de ter feito aparecer todas as águas, porque estava sequioso do bem das almas; sentia necessidade, sendo seus todos os alimentos e todas as riquezas, porque lhe escasseavam as almas que O recebessem dignamente e onde pudesse viver e reinar.
Agora, procurado e rodeado de crianças que O amam e louvam, recebem e adoram, como Jesus deve estar bem, como Jesus deve estar satisfeito! Já tem quem O siga, já tem quem O conheça! E, que não têm sido infrutíferos os trabalhos desta Arquiconfraria, bem o mostram essas festas sumptuosas, essas apoteoses brilhantíssimas a Jesus-Eucaristia que têm agitado tantos corações e movido tantas almas a aproximarem-se de Jesus, recebendo-O com fé, adorando-O com entusiasmo e amando-O com afecto.
Outrora, eram os pais que ensinavam os filhos, com o seu exemplo e com as suas lições, a amar, conhecer e respeitar o Pai do Céu; hoje, são os filhos que com o seu procedimento ensinam aos pais que não basta, para amar Jesus, ter fé, é necessário ter o coração puro – «Felizes os corações puros, porque eles verão a Deus!» – recebê-Lo com frequência e defendê-Lo com ardor.
É por isso que não podíamos deixar de nos associar a esta homenagem das criancinhas a Nosso Senhor Sacramentado por ocasião do Congresso Eucarístico, fazendo votos pela conservação desta piedosa associação que tanto bem faz às almas e pelo bom êxito das festas Eucarísticas para que se acenda cada vez mais a fé dos poveiros e traga ao aprisco do Senhor tantas ovelhas cegas e ingratas que dele vivem afastadas.
Este escrito eucarístico não deixa se ser curioso, pois em breve o P.e Leopoldino irá ser pároco duma “vítima da Eucaristia”, a quem levará diariamente a Comunhão ao longo de dezoito anos.
Em 20 de Maio de 1923, n’O Liberal, ele assinara um outro artigo, de homenagem ao falecido P.e Álvaro de Matos, como já foi dito.
Na hora dos elogios
Se noutros tempos, o P.e Leopoldino, com os seus colegas d’O Poveiro, haviam sido alvo das chufas mais vis, agora chegara para ele a hora dos elogios. Foi assim n’A Propaganda, de 17 de Julho de 1933, pouco mais de uma semana após ele tomar conta da paróquia de Balasar. O estado da freguesia não devia ser o melhor após as perturbações acontecidas na fase final da presença do pároco anterior, o P.e Manuel de Araújo.
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No dia 9 de Julho tomou posse da paroquialidade de Balasar, deste concelho, o nosso prezado amigo e conterrâneo Sr. P.e Leopoldino Rodrigues Mateus. Deixando a sua terra e os seus venerandos pais, o novo pároco vai cumprir uma missão de paz e religiosidade, confiada pelo seu Prelado, que tem pelo nosso amigo a maior estima e consideração pelos relevantes serviços prestados à Igreja.
Foi muito sentida a ausência deste ilustre sacerdote, que se impôs pelo seu zelo e dedicação à Igreja e pelo seu bairrismo, sempre devotado à causa da sua terra. Como capelão da Confraria das Almas, onde esteve durante 27 anos, calcorreando as ruas todas as madrugadas, quer chovesse quer ventasse, de dia e de noite, intensificou esta devoção, que é hoje muito fervorosa.
Como capelão interino da devoção da Senhora do Desterro aumentou a frequência daquela pequena capela, convertendo-a no centro de fervorosa piedade. Como coadjutor ou vigário cooperador da freguesia da Póvoa de Varzim, cargo que desempenhou com zelo e actividade durante 24 anos, prestou bons serviços à causa da Igreja Católica, de que é digno ministro.
Por isso, não admira que o povo crente da Póvoa o estimasse e respeitasse, porque sabia a falta que faz no nosso meio religioso e social. Deixou a nossa Varzim e foi cumprir uma missão delicada para a importante freguesia de Balasar, deste concelho. Ao celebrar a sua primeira missa paroquial, as suas palavras de saudação calaram de tal forma no ânimo dos seus novos paroquianos que todos atentos e visivelmente satisfeitos foram cumprimentar o seu novo abade.
Vai grande regozijo na freguesia de Balasar pela estadia do seu novo Pastor, a quem já tributam respeito, estima e consideração, esforçando-se por conservar o mais tempo possível. Sua Reverência cumpre um dever de obediência aceitando aquele lugar espinhoso e trabalhoso, é de esperar que o povo de Balasar, respeitador e crente, estime o seu novo Pároco, que é um dos sacerdotes mais trabalhadores e honestos da nossa terra.
Que a saudade que o povo da Póvoa tem pelo seu ex-coadjutor e amigo dedicado seja compensada pela benevolência e estima com que é tratado na sua nova freguesia. Ao Sr. Abade de Balasar, todos os que aqui trabalham na redacção enviam os seus respeitosos cumprimentos.
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