terça-feira, 12 de outubro de 2010

Literato

Conhecemos só uma parcela ínfima da produção jornalística do P.e Leopoldino. E dela há períodos que seria interessante identificar e analisar: estamos a referir-nos ao jornalismo de combate praticado n’O Poveiro em 1911 e 1912 e à colaboração particularmente exigente enviada para jornais de circulação nacional.
Já se viu acima como O Intransigente pretendeu atribuir ao P.e Leopoldino certas secções d’O Poveiro, como as fantasistas crónicas intituladas “De Relâmpago” e a “Secção Alegre”. As primeiras, porque misturavam sistematicamente prosa com verso e tinham uma parcela de ficção muito saliente, interessam-nos muito. Eram assinadas pelo pseudónimo de Aeronauta e deviam incomodar tanto que chegaram a ser parodiadas n’O Intransigente. Mas não nos é possível identificar quem fosse o seu verdadeiro autor. Segundo O Poveiro de 28 de Setembro de 1911, já teriam sido alvitrados 12 nomes. E o jornal conclui assim a nota em que fala do Aeronauta:

Acordem; já era tempo de saberem quem era o Aeronauta.
O Aeronauta… é o Aeronauta.

No mesmo mês de Setembro, O Intransigente escreveu uma vez:

Olha o Padre Leopoldino
A escrever a “Secção Alegre»…
P’ra brunir as ferraduras
Do Cabral tem um bisegre…[1]

Certo, certo é que não conseguimos identificar com segurança a colaboração do P.e Leopoldino para O Poveiro e mesmo para outros jornais. E isso ser-nos-ia muito útil para avaliarmos a arte da sua escrita e para percebermos como se foi afirmando como jornalista credível.
Em 20 de Dezembro de 1943, ele publicou n’O Comércio da Póvoa de Varzim uma pequena narrativa com o título de Conto do Natal. Trata-se duma história muito bem arquitectada. Revela-se aí como um homem experiente da escrita de ficção.
A história começa quando Nicolau, o protagonista, e a esposa, Sofia, vivem um momento crítico, o da partida do mesmo Nicolau para a Primeira Grande Guerra. Dão-se-nos depois os antecedentes da vida do casal, para a seguir voltar ao tempo inicial.
A acção tem um começo vulgar; surgem depois as complicações, primeiro a do amor, vencida pela ousadia dum casamento entre pessoas de desigual nível económico e social, depois a da guerra. Acaba contudo em final feliz, mas um final que exigiu penoso sacrifício ao par.
O que se nota é que o autor é expedito em manusear os ingredientes, sejam eles o discurso narrativo ou descritivo, seja a organização das sequências ou a vivência dos estados de espírito. Parece pessoa experimentada.
Num tempo em que a onomástica masculina e feminina recorria a uma gama muito limitada de nomes, é curioso que o autor use para as suas personagens antropónimos tão pouco comuns.
A aldeia do Minho onde moravam o Nicolau e a Sofia do conto podia muito bem ser Balasar, onde não faltavam casas abastadas. A crítica às exigências paternas quanto ao nível económico das noivas ou dos noivos era muito justificada. Lembra por vezes Júlio Dinis, pela intenção moralizante, mas tem feição muito própria.
Ao tempo da publicação desta história, em 1943, decorria a Segunda Guerra Mundial; embora Portugal não participasse, ela dava-lhe actualidade.
É muito provável que o P.e Leopoldino tenha escrito e publicado vários outros contos "do Natal". De facto, posteriormente e em jornais diferentes, sairão pelo menos mais seis com o mesmo título. Um é assinado por Óscar, que deve ser pseudónimo, os outros saíram todos anónimos. Todavia aparentam-se muito com os escritos do P.e Leopoldino. 
No artigo da Prof.ª Zulmira Linhares, onde vem o conto acima resumido, transcreve-se também um poema do P.e Leopoldino de tema natalício, com o título de Noite de Natal. É um belo poema narrativo, em quadras de redondilha, que recria os momentos que precederam e seguiram o nascimento do Salvador.
Com os artigos históricos sobre Balasar que fez sair n’A Propaganda e no boletim Póvoa de Varzim, este sacerdote poveiro iniciou o estudo da história de Balasar. Embora se tenha fixado num período temporal bastante recente, o trabalho tem um inegável mérito e supõe uma recolha de informação muito variada.


[1] O bisegre é um “instrumento usado pelos sapateiros para brunir os tacões e as bordas das solas do calçado”.

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