terça-feira, 12 de outubro de 2010

A despedida

Na altura de deixar Balasar, o P.e Leopoldino contava 77 anos e o seu estado de saúde não era o melhor. Veja-se, a propósito, este diálogo que ele teve com a Beata Alexandrina e que publicou no seu artigo de 13/10/56 no Ala Arriba:

Um dia, sentindo que as forças me iam definhando, disse-lhe:
Alexandrina, parece-me que vou deixar-vos, porque me não sinto com alento para o pesado ónus desta longa freguesia.
A doente calou-se, mas, volvidos alguns dias, antes de lhe dar o Pão da Vida, ao abeirar-me do seu leito, diz-me:
“Senhor Abade, não receie perder o vigor para deixar a freguesia; porque pedi a Nosso Senhor que eu morresse antes de V. Rev.cia nos deixar e Ele prometeu-me que sim, e a sua palavra não falta”.
E assim sucedeu.

Uma fotografia tirada na altura mostra-o efectivamente muito alquebrado.
No tempo em que paroquiou a freguesia, 23 anos, o P.e Leopoldino preocupou-se sobretudo com a formação religiosa e mesmo cultural dos seus paroquianos. Para isso trazia aí os mais conceituados pregadores do tempo.
Contam-nos também que, em termos de política, soube sempre dialogar quer com quem, como ele, abertamente apoiava o regime quer com os seus opositores, o que é notável.
Deixou duas obras materiais, a colocação de novos sinos na torre e o artístico cruzeiro da paróquia.
O P.e Leopoldino, no Verão, passava sempre uma breve temporada na Póvoa, por razões de saúde, mas sem dúvida também para cultivar as suas amizades poveiras.
Foi para aí que se retirou quando deixou Balasar.


O apagamento

Segundo um testemunho inserido pela Prof.ª Zulmira Linhares no artigo que lhe dedicou, este antigo pároco faleceu com 87 anos e terá vivido em cruel penúria os últimos dez:

Foi nestes dez anos finais (1956-1966) que o P.e Leopoldino talvez tenha passado o período mais sombrio, negro, preocupante e agreste da sua existência. Esgotado o mealheiro, sua irmã, que com ele havia partilhado a vida paroquial, parte pelas ruas da Póvoa a mendigar auxílios materiais para a subsistência de ambos - a sua e a do irmão sacerdote. Esta situação humilhante chocou-nos. Dela demos conhecimento ao Superior Hierárquico e julgamos que o facto terá sido atenuado, se não remediado.

Ultimamente informaram-nos que esta penúria se originara num empréstimo que o P.e Leopoldino fizera a uma sobrinha, para ela comprar uma motora, e que nunca devolvera o dinheiro.
Uma notícia necrológica sobre o P.e Leopoldino exprime-se assim a dada altura:

Jornalista devotado, sempre presente em todas as emergências em que a sua terra dele necessitasse, bondoso e incansável trabalhador, deixa o saudoso sacerdote todos os seus conterrâneos na maior mágoa.

A mesma notícia reconhece-o como “dotado de grande inteligência” e “notável orador sacro”: deve ter pregado pelo menos uma boa centena de sermões. 
Quanto a inteligência, sabemos que era um homem culto e que escrevia com fluência, numa prosa de agradável leitura; sobre a sua oratória, não é fácil hoje avaliá-la, quer porque a oratória é um saber prático, e por isso só quem o ouviu é que sobre ela se podia capazmente pronunciar, quer porque não consta que deixasse qualquer sermão escrito.
Do seu espólio pessoal, disseram-nos que depois de estar durante anos ao abandono terá ido para o lixo. Mas não terá sido assim: na próipria Biblioteca Municipal de Rocha Peixto haverá livros procedentes desse espólio.

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