terça-feira, 12 de outubro de 2010

Os primeiros passos em Balasar

Quando chega a Balasar, o P.e Leopoldino não é um jovem sacerdote no início da actividade, pois tem 54 anos. Vem com certeza para pacificar a freguesia que andava agitada: o pároco anterior deixara funções a pedido duma comissão de paroquianos. O episódio do apedrejamento dos protestantes deve ter tido um efeito muito nocivo, e não terá sido exemplo único do desnorte da paróquia.
A anterior actividade do novo pároco na Póvoa de Varzim proporcionara-lhe o conhecimento do P.e Mariano Pinho, que residira alguns anos no Largo das Dores. Inclinado a dar uma muito particular atenção aos mais pequenos, natural é que, chegado a Balasar, ambos aí promovessem a criação da Cruzada Eucarística das Crianças, que esse jesuíta dinamizava a nível nacional. O P.e Mariano Pinho era um padre doutor, que chegara havia poucos anos do estrangeiro, e também do exílio, sábio como poucos. O P.e Leopoldino era também muito considerado. Por isso, em Balasar, a primeira acção conjunta destes sacerdotes vai redundar num êxito.
A ida do P.e Mariano Pinho a Balasar, em 16 de Agosto de 1933, está muito bem documentada. Regista-a a Cruzada, regista-a um livro de actas do cartório paroquial e regista-a ainda uma notícia do jornal A Propaganda, além da Autobiografia da Beata Alexandrina.
A Propaganda de 3 de Setembro conta-a nestes termos.

Realizou-se nesta importante freguesia do nosso concelho uma grandiosa festividade em honra do Sagrado Coração de Jesus, precedida de um tríduo de práticas pelo Rev.o P.e Mariano Pinho, apostolado orador sagrado.
A pregação do ilustre orador foi tão frutuosa que toda a população da freguesia, com poucas excepções, se abaixou à Mesa Eucarística, recebendo o Pão dos Anjos, administrado pelo novo pároco, Rev.o P.e Leopoldino Mateus, que foi incansável na organização e direcção desta solenidade. À Mesa Santa curvaram-se criaturas que já há alguns anos não davam preceito às Igrejas [sic], o que muito alegrou o coração do nosso pároco.
Na mesma ocasião, a pedido e esforço do nosso Rev.o Pároco, foi fundada pelo Director Diocesano, Rev.o P.e Pinho, a Obra das Cruzadas Eucarísticas, inscrevendo-se 70 [segundo a Cruzada] crianças de ambos os sexos, devidamente uniformizadas.
A festa concluiu com uma linda procissão eucarística em que tomaram parte as Confrarias da freguesia com os seus estandartes, cruzados eucarísticos entoando lindos hinos a Jesus Sacramentado, passando por caminhos tapetados de verdes e por entre alas compactas de povo desta freguesia e das circunvizinhas.
Recolhida a procissão, todas as crianças da cruzada, devidamente vestidas com os seus uniformes, tiraram com o Rev.o Pároco uma fotografia nas escadas do Calvário, encarregando-se deste serviço um hábil amador
Merecem parabéns pelo bom êxito da festa e da Obra das Cruzadas o Rev.o pároco, Leopoldino Mateus, a distinta professora oficial, Sra. D. Maria da Conceição Leite Reis Proença, e mais algumas zeladoras que foram incansáveis na sua organização. Foi uma festa que muito devia agradar ao SS. Coração de Jesus e santificar os fiéis desta laboriosa freguesia.

Mesmo que isso possa parecer estranho, o autor desta notícia é com certeza o P.e Leopoldino. De facto, desde que chegou a Balasar, saíram em jornais poveiros com bastante regularidade notíciários semanais sobre a freguesia, que terminaram mal ele a deixou. O autor deles manifesta sempre generosa admiração pelo pároco, mas semelhante atitude positiva atinge os balasarenes em geral que os noticiários mencionam.

Estudo histórico sobre a Santa Cruz

Em finais de 1933, começa a ser publicado n’A Propaganda um estudo sobre a Santa Cruz de Balasar cujo autor assina apenas por Z. Quem poderia ter escrito este longo trabalho que o P.e Leopoldino, quando, muito mais tarde, envia os seus dois artigos para o Boletim Cultural Póvoa de Varzim, não menciona embora fale também da Santa Cruz?
Era certamente o próprio P.e Leopoldino. Bem vistas as coisas, dificilmente podia ser outra pessoa, pois o estudo implicava o conhecimento do documento que existe no Cartório Paroquial. Mas a confirmação, a nosso ver, encontra-se quando se compara a versão do trabalho saído n’A Propaganda com a que foi mais tarde publicada no Boletim Cultural. A segunda decalca e completa a primeira.
Esse foi pois o primeiro contributo cultural sério que ele deu para o estudo da história de Balasar.
No segundo dos artigos de 1933, há umas frases que convém ler; diz o autor:

Pena foi que o povo laborioso e crente de Balasar não celebrasse no ano pretérito a fresta comemorativa do primeiro centenário da celebra aparição que tanto nome deu à freguesia, pelos milhares de forasteiros que a foram visitar e pelas grandiosas festas celebradas em sua honra.
Acontecimentos estranhos à sua vontade frustraram essa comemoração, debalde lembrada pelo nosso colega Baptista de Lima em diversos números d’O Comércio da Póvoa de Varzim. Foi pena que tal comemoração se não efectuasse porque podia ser o ressurgimento de uma devoção que, em tempo, foi intensa e fervorosa, não só na classe piscatória desta vila mas também no povo crente do nosso concelho vizinho.

Ficamos por aqui a saber diversas coisas: que não foi feita a comemoração; que acontecimentos estranhos à vontade dos balasarenses a impediram; que Baptista de Lima escreveu sobre essa data no Comércio; que os pescadores poveiros e gente de Vila do Conde costumavam acorrer às festas da Santa Cruz; que o P.e Leopoldino escreve, ou assim o imagina, na Póvoa.
Dos escritos de Baptista de Lima só conhecemos um, que adiante transcreveremos (páginas 188-189).
Também é claro que foi por iniciativa do P.e Leopoldino que se publicou em 1936, n’A Propaganda, um cartaz a chamar os fiéis, em especial os poveiros, para a devoção à Santa Cruz. Eis a parte final dele:

A classe piscatória da Póvoa de Varzim, sempre piedosa e apaixonada pelas obras de Deus, acudia assiduamente, vendo-se na maior parte dos dias santificados grupos de poveiros, a pé e rezando, abeirar-se da capelinha onde oravam com fervor e confiança, beijavam a Santa Cruz, andavam em redor e, depois de tomada a frugal refeição, regressavam à sua terra cantando os seus cânticos peculiares.
A maior frequência de forasteiros e devotos dava-se no dia do Corpo de Deus, aniversário da aparição da Santa Cruz, cuja festa atingiu um brilhantismo desusado, com duas afamadas bandas de música, feérica iluminação, lindas decorações e soberbo fogo-de-artifício. A fim de regularizar a situação económica da capela, fundou-se a Confraria do Senhor da Cruz que contava bastantes irmãos.
Hoje esta devoção está um pouco frouxa sendo raros os grupos de pescadores poveiros que acorrem a implorar graças e a cumprir promessas. Nas paredes da pequena ermida encontram-se alguns quadros de ex-votos, por causa de doenças, sobressaindo um de que foi vovente o Rev. Abade de Touguinhó[1]. Daqui se vê que a devoção da Santa Cruz aparecida em 1832 em Balasar não era só praticada pelo povo simples e trabalhador, mas também por pessoas ilustradas e de elevada posição social.
É necessário manter o culto da tradição e avivar no povo de hoje a fé e religiosidade dos seus maiores que nos transes perigosos recorriam com fé confiança ao sinal da Redenção, a Vera Cruz onde Jesus agonizou durante três horas, longas como três séculos, e morreu para resgate da humanidade perdida pela queda dos nossos protoparentes.
Eis o significado deste caso oferecido à admiração dos assistentes, convidando-os a fazer uma visita ainda que breve à capelinha onde se conserva a Santa Cruz aparecida em 1832.

Neste apelo, está o estilo das prédicas do P.e Leopoldino. Afinal, o centenário, ao menos em sentido lato, fez correr tinta.
Os poveiros hão-de regressar mais tarde mais tarde a Balasar… para visitarem e ouvirem a Alexandrina, como o mesmo P.e Leopoldino há-de registar.

Que mais fez o P.e Leopoldino em Balasar?

Leia-se este noticiário de 7 de Janeiro de 1939:

Entrou-se no novo ano e realmente para o povo religioso e temente a Deus desta freguesia coisas novas se vêm realizando para sua renovação espiritual. Logo na entrada do ano se verificou o tríduo da Acção Católica, promovida pela J.A.C. Durante o decurso das conferências, o auditório era mais de homens do que de mulheres e na Comunhão geral da festa do Menino Deus abeiraram-se da Mesa Eucarística mais pessoas do sexo masculino do que do sexo feminino. Ora isto não é novo?
Concluída a festa da Acção Católica, a J.A.C., dirigida pelo nosso estimado pároco, promoveu na casa da Família Campos, do Telo, um retiro espiritual fechado, sendo conferente o Rev. Dr. Mariano Pinho, S.J. Neste retiro tomaram parte 30 raparigas, quase todas da Juventude Católica Agrária, desta e doutras freguesias. É de esperar abundantes frutos espirituais. Os rapazes, ao saberem da realização dos exercícios espirituais para as jovens, perguntavam: - E para nós não há retiro? Não somos filhos de Deus?
Ora isto não é novo para o povo das nossas aldeias? Quando, entre nós, se falou de Acção Católica e de exercícios espirituais para o povo? Eis a obra da J.A.C. Se os pais querem ter os filhos bons e patriotas, amigos de Deus, da Pátria e da Família, devem filiá-los na J.A.C., o braço direito dos Revs. Párocos.
Uniram-se pelos laços do matrimónio cristão o Sr. Antero Alves da Costa Reis, negociante natural de Matosinhos, e a Sra. D. Maria Adelaide Oliveira Costa, da Póvoa de Varzim
O noivo é filho do Sr. João Henrique da Costa Reis, proprietário desta freguesia, e a noiva filha do Professor Sr. António Carvalho Pereira da Costa e da Sra. D. Mercedes Josefina de Oliveira Ferreira.
Presidiu ao acto religiosos, proferindo uma eloquente alocução repleta de salutares ensinamentos o nosso pároco, o Rev. Leopoldino Rodrigues Mateus, conterrâneo da noiva. Paraninfaram o acto os pais e tios dos noivos, D. Ana Joaquina da Costa Reis, D. Maria da Conceição Leite Reis Proença, Edmundo Ferreira Barbosa e José Ferreira Barbosa. No fim do religioso acto, foi oferecido em casa dos pais da noiva um copo de água em que os Srs. Cândido Manuel dos Santos e Bernardino Reis fizeram brindes impressionantes… e sentimentais. Muita felicidade aos noivos.
No dia 7 de Janeiro fez 60 anos o nosso Rev. Abade. Por sua intenção houve missa e comunhão em que tomaram parte a J.A.C., Cruzados Eucarísticos e muito povo que lhe tributam o maior respeito e veneração. Ad multos anos. C.

O elogio ao pároco é uma constante.
O P.e Leopoldino, em Balasar, prega, chama outros pregadores e animadores de renome para as festividades e para assistir as associações religiosas, faz discursos na escola, cria ele mesmo associações religiosas… Exemplar!



[1] O “vovente” não foi o pároco de Touguinhó, mas Bernardina Rosa. O então pároco de Touguinhó, que se chamava Custódio José de Araújo Pereira, era um homem muito abastado e exemplar. Pagou a nova Igreja Paroquial, que tem sobre a porta principal a data de 1842.

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