terça-feira, 12 de outubro de 2010

LEOPOLDINO MATEUS, UM SACERDOTE ZELOSO

O P.e Leopoldino Mateus nasceu na Póvoa de Varzim em 9 de Janeiro de 1879, na Rua da Assunção, junto ao castelo, e aí faleceu em 27 de Janeiro 1966. O seu pai chamava-se Francisco Rodrigues do Mateus e a mãe Josefa de Jesus. Leopoldino era o mais velho de seis irmãos e o único rapaz. O pai era alfaiate, mas foi também carteiro. Eram gente ligada à tradição poveira da pesca e de muito poucas posses.
Até recentemente, só se evocava o P.e Leopoldino Mateus para dar conta da sua intervenção junto da Beata Alexandria; agora, a perspectiva alargou-se e é possível falar dele como pároco de Balasar, como pároco em concreto da Beata Alexandrina, como coadjutor da Póvoa de Varzim, como jornalista e homem de cultura.
É muito elucidativa e com pormenores desconhecidos esta apresentação que o jornal poveiro A Defesa fez dele nos seus 50 anos. Veja-se parte do que se escreveu ao centro da primeira página, em 20 de Janeiro de 1929, sob o título “P.e Leopoldino Mateus”.

Em 1885 matriculou-se na Escola Camões, em que era professor o Sr. Joaquim Francisco Fernandes Cunha, e em 1886 foi transferido para a Escola Gomes de Amorim (Pereira Azurar), em que era professor o Sr. José Alves Vieira, de saudosa memória.
Tendo feito o exame de Instrução Primária no Liceu de Braga, em Abril de 1890, e destinando-se à carreira eclesiástica, entrou em Outubro do mesmo ano para o Seminário de Santo António e S. Luís Gonzaga, onde frequentou o curso de preparatórios, que concluiu em Julho de 1895.
Por falta de idade, só entrou em Outubro de 1896 para o Seminário Conciliar de Braga, onde concluiu o Curso Teológico em Junho de 1899. Foi professor no Colégio de S. Joaquim, em Chaves, de 1900 a 1901, e celebrou a sua primeira missa na Igreja Paroquial desta vila no dia 28 de Setembro de 1901.

Antes de ir para Balasar

E continua o artigo, para falar dele já como sacerdote:

No dia 1 de Janeiro de 1902, entrou para capelão do Senhor dos Navegantes, nas Caxinas, até Outubro de 1906, em que foi admitido como capelão da Confraria das Almas, onde se conserva.
A 8 de Agosto de 1908, foi nomeado pelo saudoso Prelado D. Manuel Baptista da Cunha coadjutor desta vila, lugar que tem desempenhado com zelo e actividade, ininterruptamente, durante a paroquialidade dos Reverendos Priores Manuel Martins Gonçalves da Silva, José Martins da Silva Gonçalves, Álvaro de Campos Matos, Aurélio Martins de Faria e Alexandrino José Leituga. Tendo-se dedicado à pregação, já tem percorrido uma boa parte do norte do país, onde tem sido muito apreciado.
Nas corporações religiosas já foi, durante algum tempo, juiz da Confraria de Nossa Senhora do Rosário e segundo secretário da Senhora de Lourdes e Mesa da Associação do Coração Agonizante de Jesus; fez parte da Comissão da Senhora do Desterro, dando-lhe grande impulso, e hoje é membro da Comissão de Santo António, da Matriz. Em corporações civis, foi presidente da direcção da Associação de Socorros Mútuos (A Povoense), em 1907, salvando-a do perigo que a faria soçobrar, mais do que uma vez presidente da assembleia-geral da mesma e presidente do conselho fiscal, durante dois anos, da Mutualidade. É o actual presidente da assembleia-geral da Fúnebre Familiar e foi presidente do conselho fiscal da Associação Humanitária dos Bombeiros Voluntários durante o biénio findo.
De Julho de 1912 a Junho de 1917 foi presidente da direcção da Associação de Caridade «A Beneficente», cargo em que desenvolveu um carinho e dedicação exemplar pela causa dos pobrezinhos e durante alguns anos foi membro activo da Conferência de S. Vicente de Paulo.
Dedicando-se ao jornalismo é redactor efectivo do considerado semanário local «A Voz do Crente», colaborador do nosso semanário e do «Comércio da Póvoa de Varzim», do «Mensageiro Eucarístico» de Braga e correspondente do importante diário católico de Lisboa «As Novidades» e do semanário do Porto «A Ordem». Tem feito parte de diversas comissões festivas, principalmente da Festa Marítima, em que tem revelado o seu amor pela Póvoa.
O nosso estimado colaborador foi muito cumprimentado no dia das suas bodas de ouro, tendo havido na Igreja Matriz missa e grande comunhão pelo seu aniversário natalício – 50 anos. Fazemos votos ao Céu pelo prolongamento da sua preciosa e estimada existência. J.A.M.


N’A Voz do Crente de 4 de Janeiro escrevera-se, depois de o P.e Leopoldino ser declarado “orador sagrado, ilustre e primoroso jornalista e nosso colaborador assíduo e dedicado”:

No desempenho das funções do seu ministério, o Rev. Leopoldino Mateus, diligente e canseiroso, desenvolve uma actividade pasmosa e modelar. Apesar disso nunca o tempo lhe falta para nos prestar os seus valiosos e apreciáveis serviços.

A redacção aproveita o ensejo para lhe tributar “o nosso agradecimento pela sua boa colaboração e prestar-lhe a nossa solidariedade jornalística contra as insinuações baixas e torpes com que alguns pretensiosos, cheios de orgulho e presunção, têm tentado ofuscar o brilho das suas primorosas crónicas, cheias sempre da mais sã doutrina”.

Infelizmente, não se esclarece aqui o papel que o P.e Leopoldino teve nas duras lides jornalísticas dos primeiros anos da República.
Só para se fazer uma apagada ideia do que isso foi, ao menos nos anos mais quentes do confronto com a Igreja, leia-se o que segue.
No começo de Janeiro de 1912, quando o P.e Leopoldino completava 32 anos, O Poveiro, de que era colaborador, anunciou o seu aniversário e deu-lhe os parabéns:

Os nossos parabéns vão não só a ele, que ele tudo merece, mas a seu extremoso pai e a sua família, que o não esquecerá. Ao padre Leopoldino Mateus, acérrimo defensor das doutrinas da Igreja, um apertado abraço e muitos anos de vida na boa carreira que segue em honra da nossa terra.

O Intransigente, jornal republicano ultra, achou por bem tirar estas inqualificáveis conclusões da delicada saudação:

1 – Que o Padre Leopoldino fez anos, no dia 7 de Janeiro, que se resolveu vir visitar a luz do sol a este mundo;
2 - Que tem sido um bom camarada do Laurindo, do Prior e dum outro imbecil a quem chamam Alfredo Fernandes da Silva, o Fresco, espécie dum nojento trapo arremessado a uma sarjeta, coadjuvando-os nas escabrosidades da cloaca jornalística;
3 - Que, para honra da crença professada por aquela merdífera raça de gentalha, a companhia do padre Mateus é indispensável e insubstituível;
4 – Que, por tudo isso e pelo mais que não souberam dizer, engasgados como ficaram, pelo taco das grandes comoções, o padre Mateus teve de pagar algumas canecas de vinho e receber os mil e um parabéns da pitoresca confraria.
Pois receba, agora, o padre Leopoldino Mateus também as nossas felicitações, pelo seu aniversário natalício, e continue a deliciar-nos com as caldeiradas do seu engenho e arte de escrever «relâmpagos», que parecem «frescas» baboseiras de fadista aperaltado; «secções alegres», destinadas a anavalhar, caluniosamente, a honra alheia e «críticas de tacão», para rebaixar os sentimentos dos democratas e enaltecer as «virtudes» dos milhafres da grei jesuítica. E tudo em nome de Deus?!...

Esta linguagem (que infelizmente ainda é possível encontrar hoje em certos meios) comenta-se a si mesma; mas a elevação d’O Poveiro era conhecida, tanto que em tiragem ultrapassava de longe os outros semanários da terra e aos poucos projectava-se como de dimensão nacional; foi então que os republicanos o silenciaram.
Alude-se no escrito a rubricas jornalística atribuída ao P.e Leopoldino, mas não é garantido que essa atribuição corresponda à verdade.
Este exemplo de torpezas com se queria ferir o bom nome do P.e Leopoldino não foi caso único: repetiu-se no mesmo jornal e está nas declarações prestadas pelos republicanos radicais por altura do complô monárquico[1].
Aquando do II Congresso Eucarístico da Arquidiocese de Braga, que teve lugar na Póvoa de Varzim, em 1925, publicou-se então um opúsculo, que era uma espécie de número único de revista. O P.e Leopoldino, que foi o secretário desse Congresso, colaborou com um escrito intitulado «A Fé dos Poveiros». Escreveu ele:

Mais uma vez, a religiosa vila da Póvoa de Varzim, por ocasião do Congresso Eucarístico, vai mostrar a Portugal inteiro que a sua fé em Jesus é viva e fervorosa e que os seus corações consagram a Jesus-Hóstia a mais sincera das dedicações.
Como a maior parte da população pertence à classe piscatória, são os filhos do mar, os humildes poveiros, que vão tomar parte activa nas grandes solenidades que se realizam por essa ocasião.
Não é de hoje a fé dos poveiros a Jesus Sacramentado; herdaram esses sentimentos dos seus maiores, que tiveram sempre o cuidado de, com o seu exemplo e com os seus conselhos, incutir no ânimo dos filhos a sua crença em Jesus e a sua devoção à Virgem da Assunção.
Na capela da Lapa, erigida pelos valentes pescadores em honra da sua augusta padroeira, Maria Santíssima, conservam o SS. Sacramento, a quem não deixam de prestar homenagens da sua piedade e amor filial.
Alguns anos houve até que, na segunda-feira de Páscoa, era promovida uma festa em acção de graças ao Senhor Sacramentado pelos benefícios concedidos durante o ano.
(…)
Depois, como no actual regime fosse proibido levar o Sagrado Viático aos doentes, parece que tinha esmorecido a fé dos poveiros a Jesus-Hóstia, mas não! Veio a Arquiconfraria dos Pajens do SS. Sacramento arregimentar as criancinhas, para, aproximando-as do seu Criador, haurirem nessa fonte salutar graças copiosíssimas e bênçãos salutares.
Como Jesus deve estar contente com esses humildes poveirinhos que, de tão pouca idade, amam já o seu Jesus, recebem-No com frequência e adoram-No com afecto.
Como Jesus deve estar alegre, porque nessa capela muitas vezes, pela ausência de fiéis, entregues às lides domésticas, o Manso Cordeiro estava só, tendo frio, apesar de ter formado o Sol, porque lhe faltava o calor dos corações; padecia sede, apesar de ter feito aparecer todas as águas, porque estava sequioso do bem das almas; sentia necessidade, sendo seus todos os alimentos e todas as riquezas, porque lhe escasseavam as almas que O recebessem dignamente e onde pudesse viver e reinar.
Agora, procurado e rodeado de crianças que O amam e louvam, recebem e adoram, como Jesus deve estar bem, como Jesus deve estar satisfeito! Já tem quem O siga, já tem quem O conheça! E, que não têm sido infrutíferos os trabalhos desta Arquiconfraria, bem o mostram essas festas sumptuosas, essas apoteoses brilhantíssimas a Jesus-Eucaristia que têm agitado tantos corações e movido tantas almas a aproximarem-se de Jesus, recebendo-O com fé, adorando-O com entusiasmo e amando-O com afecto.
Outrora, eram os pais que ensinavam os filhos, com o seu exemplo e com as suas lições, a amar, conhecer e respeitar o Pai do Céu; hoje, são os filhos que com o seu procedimento ensinam aos pais que não basta, para amar Jesus, ter fé, é necessário ter o coração puro – «Felizes os corações puros, porque eles verão a Deus!» – recebê-Lo com frequência e defendê-Lo com ardor.
É por isso que não podíamos deixar de nos associar a esta homenagem das criancinhas a Nosso Senhor Sacramentado por ocasião do Congresso Eucarístico, fazendo votos pela conservação desta piedosa associação que tanto bem faz às almas e pelo bom êxito das festas Eucarísticas para que se acenda cada vez mais a fé dos poveiros e traga ao aprisco do Senhor tantas ovelhas cegas e ingratas que dele vivem afastadas.

Este escrito eucarístico não deixa se ser curioso, pois em breve o P.e Leopoldino irá ser pároco duma “vítima da Eucaristia”, a quem levará diariamente a Comunhão ao longo de dezoito anos.
Em 20 de Maio de 1923, n’O Liberal, ele assinara um outro artigo, de homenagem ao falecido P.e Álvaro de Matos, como já foi dito.

Na hora dos elogios

Se noutros tempos, o P.e Leopoldino, com os seus colegas d’O Poveiro, haviam sido alvo das chufas mais vis, agora chegara para ele a hora dos elogios. Foi assim n’A Propaganda, de 17 de Julho de 1933, pouco mais de uma semana após ele tomar conta da paróquia de Balasar. O estado da freguesia não devia ser o melhor após as perturbações acontecidas na fase final da presença do pároco anterior, o P.e Manuel de Araújo.
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No dia 9 de Julho tomou posse da paroquialidade de Balasar, deste concelho, o nosso prezado amigo e conterrâneo Sr. P.e Leopoldino Rodrigues Mateus. Deixando a sua terra e os seus venerandos pais, o novo pároco vai cumprir uma missão de paz e religiosidade, confiada pelo seu Prelado, que tem pelo nosso amigo a maior estima e consideração pelos relevantes serviços prestados à Igreja.
Foi muito sentida a ausência deste ilustre sacerdote, que se impôs pelo seu zelo e dedicação à Igreja e pelo seu bairrismo, sempre devotado à causa da sua terra. Como capelão da Confraria das Almas, onde esteve durante 27 anos, calcorreando as ruas todas as madrugadas, quer chovesse quer ventasse, de dia e de noite, intensificou esta devoção, que é hoje muito fervorosa.
Como capelão interino da devoção da Senhora do Desterro aumentou a frequência daquela pequena capela, convertendo-a no centro de fervorosa piedade. Como coadjutor ou vigário cooperador da freguesia da Póvoa de Varzim, cargo que desempenhou com zelo e actividade durante 24 anos, prestou bons serviços à causa da Igreja Católica, de que é digno ministro.
Por isso, não admira que o povo crente da Póvoa o estimasse e respeitasse, porque sabia a falta que faz no nosso meio religioso e social. Deixou a nossa Varzim e foi cumprir uma missão delicada para a importante freguesia de Balasar, deste concelho. Ao celebrar a sua primeira missa paroquial, as suas palavras de saudação calaram de tal forma no ânimo dos seus novos paroquianos que todos atentos e visivelmente satisfeitos foram cumprimentar o seu novo abade.
Vai grande regozijo na freguesia de Balasar pela estadia do seu novo Pastor, a quem já tributam respeito, estima e consideração, esforçando-se por conservar o mais tempo possível. Sua Reverência cumpre um dever de obediência aceitando aquele lugar espinhoso e trabalhoso, é de esperar que o povo de Balasar, respeitador e crente, estime o seu novo Pároco, que é um dos sacerdotes mais trabalhadores e honestos da nossa terra.
Que a saudade que o povo da Póvoa tem pelo seu ex-coadjutor e amigo dedicado seja compensada pela benevolência e estima com que é tratado na sua nova freguesia. Ao Sr. Abade de Balasar, todos os que aqui trabalham na redacção enviam os seus respeitosos cumprimentos.


[1] Outubro de 1911.

Os primeiros passos em Balasar

Quando chega a Balasar, o P.e Leopoldino não é um jovem sacerdote no início da actividade, pois tem 54 anos. Vem com certeza para pacificar a freguesia que andava agitada: o pároco anterior deixara funções a pedido duma comissão de paroquianos. O episódio do apedrejamento dos protestantes deve ter tido um efeito muito nocivo, e não terá sido exemplo único do desnorte da paróquia.
A anterior actividade do novo pároco na Póvoa de Varzim proporcionara-lhe o conhecimento do P.e Mariano Pinho, que residira alguns anos no Largo das Dores. Inclinado a dar uma muito particular atenção aos mais pequenos, natural é que, chegado a Balasar, ambos aí promovessem a criação da Cruzada Eucarística das Crianças, que esse jesuíta dinamizava a nível nacional. O P.e Mariano Pinho era um padre doutor, que chegara havia poucos anos do estrangeiro, e também do exílio, sábio como poucos. O P.e Leopoldino era também muito considerado. Por isso, em Balasar, a primeira acção conjunta destes sacerdotes vai redundar num êxito.
A ida do P.e Mariano Pinho a Balasar, em 16 de Agosto de 1933, está muito bem documentada. Regista-a a Cruzada, regista-a um livro de actas do cartório paroquial e regista-a ainda uma notícia do jornal A Propaganda, além da Autobiografia da Beata Alexandrina.
A Propaganda de 3 de Setembro conta-a nestes termos.

Realizou-se nesta importante freguesia do nosso concelho uma grandiosa festividade em honra do Sagrado Coração de Jesus, precedida de um tríduo de práticas pelo Rev.o P.e Mariano Pinho, apostolado orador sagrado.
A pregação do ilustre orador foi tão frutuosa que toda a população da freguesia, com poucas excepções, se abaixou à Mesa Eucarística, recebendo o Pão dos Anjos, administrado pelo novo pároco, Rev.o P.e Leopoldino Mateus, que foi incansável na organização e direcção desta solenidade. À Mesa Santa curvaram-se criaturas que já há alguns anos não davam preceito às Igrejas [sic], o que muito alegrou o coração do nosso pároco.
Na mesma ocasião, a pedido e esforço do nosso Rev.o Pároco, foi fundada pelo Director Diocesano, Rev.o P.e Pinho, a Obra das Cruzadas Eucarísticas, inscrevendo-se 70 [segundo a Cruzada] crianças de ambos os sexos, devidamente uniformizadas.
A festa concluiu com uma linda procissão eucarística em que tomaram parte as Confrarias da freguesia com os seus estandartes, cruzados eucarísticos entoando lindos hinos a Jesus Sacramentado, passando por caminhos tapetados de verdes e por entre alas compactas de povo desta freguesia e das circunvizinhas.
Recolhida a procissão, todas as crianças da cruzada, devidamente vestidas com os seus uniformes, tiraram com o Rev.o Pároco uma fotografia nas escadas do Calvário, encarregando-se deste serviço um hábil amador
Merecem parabéns pelo bom êxito da festa e da Obra das Cruzadas o Rev.o pároco, Leopoldino Mateus, a distinta professora oficial, Sra. D. Maria da Conceição Leite Reis Proença, e mais algumas zeladoras que foram incansáveis na sua organização. Foi uma festa que muito devia agradar ao SS. Coração de Jesus e santificar os fiéis desta laboriosa freguesia.

Mesmo que isso possa parecer estranho, o autor desta notícia é com certeza o P.e Leopoldino. De facto, desde que chegou a Balasar, saíram em jornais poveiros com bastante regularidade notíciários semanais sobre a freguesia, que terminaram mal ele a deixou. O autor deles manifesta sempre generosa admiração pelo pároco, mas semelhante atitude positiva atinge os balasarenes em geral que os noticiários mencionam.

Estudo histórico sobre a Santa Cruz

Em finais de 1933, começa a ser publicado n’A Propaganda um estudo sobre a Santa Cruz de Balasar cujo autor assina apenas por Z. Quem poderia ter escrito este longo trabalho que o P.e Leopoldino, quando, muito mais tarde, envia os seus dois artigos para o Boletim Cultural Póvoa de Varzim, não menciona embora fale também da Santa Cruz?
Era certamente o próprio P.e Leopoldino. Bem vistas as coisas, dificilmente podia ser outra pessoa, pois o estudo implicava o conhecimento do documento que existe no Cartório Paroquial. Mas a confirmação, a nosso ver, encontra-se quando se compara a versão do trabalho saído n’A Propaganda com a que foi mais tarde publicada no Boletim Cultural. A segunda decalca e completa a primeira.
Esse foi pois o primeiro contributo cultural sério que ele deu para o estudo da história de Balasar.
No segundo dos artigos de 1933, há umas frases que convém ler; diz o autor:

Pena foi que o povo laborioso e crente de Balasar não celebrasse no ano pretérito a fresta comemorativa do primeiro centenário da celebra aparição que tanto nome deu à freguesia, pelos milhares de forasteiros que a foram visitar e pelas grandiosas festas celebradas em sua honra.
Acontecimentos estranhos à sua vontade frustraram essa comemoração, debalde lembrada pelo nosso colega Baptista de Lima em diversos números d’O Comércio da Póvoa de Varzim. Foi pena que tal comemoração se não efectuasse porque podia ser o ressurgimento de uma devoção que, em tempo, foi intensa e fervorosa, não só na classe piscatória desta vila mas também no povo crente do nosso concelho vizinho.

Ficamos por aqui a saber diversas coisas: que não foi feita a comemoração; que acontecimentos estranhos à vontade dos balasarenses a impediram; que Baptista de Lima escreveu sobre essa data no Comércio; que os pescadores poveiros e gente de Vila do Conde costumavam acorrer às festas da Santa Cruz; que o P.e Leopoldino escreve, ou assim o imagina, na Póvoa.
Dos escritos de Baptista de Lima só conhecemos um, que adiante transcreveremos (páginas 188-189).
Também é claro que foi por iniciativa do P.e Leopoldino que se publicou em 1936, n’A Propaganda, um cartaz a chamar os fiéis, em especial os poveiros, para a devoção à Santa Cruz. Eis a parte final dele:

A classe piscatória da Póvoa de Varzim, sempre piedosa e apaixonada pelas obras de Deus, acudia assiduamente, vendo-se na maior parte dos dias santificados grupos de poveiros, a pé e rezando, abeirar-se da capelinha onde oravam com fervor e confiança, beijavam a Santa Cruz, andavam em redor e, depois de tomada a frugal refeição, regressavam à sua terra cantando os seus cânticos peculiares.
A maior frequência de forasteiros e devotos dava-se no dia do Corpo de Deus, aniversário da aparição da Santa Cruz, cuja festa atingiu um brilhantismo desusado, com duas afamadas bandas de música, feérica iluminação, lindas decorações e soberbo fogo-de-artifício. A fim de regularizar a situação económica da capela, fundou-se a Confraria do Senhor da Cruz que contava bastantes irmãos.
Hoje esta devoção está um pouco frouxa sendo raros os grupos de pescadores poveiros que acorrem a implorar graças e a cumprir promessas. Nas paredes da pequena ermida encontram-se alguns quadros de ex-votos, por causa de doenças, sobressaindo um de que foi vovente o Rev. Abade de Touguinhó[1]. Daqui se vê que a devoção da Santa Cruz aparecida em 1832 em Balasar não era só praticada pelo povo simples e trabalhador, mas também por pessoas ilustradas e de elevada posição social.
É necessário manter o culto da tradição e avivar no povo de hoje a fé e religiosidade dos seus maiores que nos transes perigosos recorriam com fé confiança ao sinal da Redenção, a Vera Cruz onde Jesus agonizou durante três horas, longas como três séculos, e morreu para resgate da humanidade perdida pela queda dos nossos protoparentes.
Eis o significado deste caso oferecido à admiração dos assistentes, convidando-os a fazer uma visita ainda que breve à capelinha onde se conserva a Santa Cruz aparecida em 1832.

Neste apelo, está o estilo das prédicas do P.e Leopoldino. Afinal, o centenário, ao menos em sentido lato, fez correr tinta.
Os poveiros hão-de regressar mais tarde mais tarde a Balasar… para visitarem e ouvirem a Alexandrina, como o mesmo P.e Leopoldino há-de registar.

Que mais fez o P.e Leopoldino em Balasar?

Leia-se este noticiário de 7 de Janeiro de 1939:

Entrou-se no novo ano e realmente para o povo religioso e temente a Deus desta freguesia coisas novas se vêm realizando para sua renovação espiritual. Logo na entrada do ano se verificou o tríduo da Acção Católica, promovida pela J.A.C. Durante o decurso das conferências, o auditório era mais de homens do que de mulheres e na Comunhão geral da festa do Menino Deus abeiraram-se da Mesa Eucarística mais pessoas do sexo masculino do que do sexo feminino. Ora isto não é novo?
Concluída a festa da Acção Católica, a J.A.C., dirigida pelo nosso estimado pároco, promoveu na casa da Família Campos, do Telo, um retiro espiritual fechado, sendo conferente o Rev. Dr. Mariano Pinho, S.J. Neste retiro tomaram parte 30 raparigas, quase todas da Juventude Católica Agrária, desta e doutras freguesias. É de esperar abundantes frutos espirituais. Os rapazes, ao saberem da realização dos exercícios espirituais para as jovens, perguntavam: - E para nós não há retiro? Não somos filhos de Deus?
Ora isto não é novo para o povo das nossas aldeias? Quando, entre nós, se falou de Acção Católica e de exercícios espirituais para o povo? Eis a obra da J.A.C. Se os pais querem ter os filhos bons e patriotas, amigos de Deus, da Pátria e da Família, devem filiá-los na J.A.C., o braço direito dos Revs. Párocos.
Uniram-se pelos laços do matrimónio cristão o Sr. Antero Alves da Costa Reis, negociante natural de Matosinhos, e a Sra. D. Maria Adelaide Oliveira Costa, da Póvoa de Varzim
O noivo é filho do Sr. João Henrique da Costa Reis, proprietário desta freguesia, e a noiva filha do Professor Sr. António Carvalho Pereira da Costa e da Sra. D. Mercedes Josefina de Oliveira Ferreira.
Presidiu ao acto religiosos, proferindo uma eloquente alocução repleta de salutares ensinamentos o nosso pároco, o Rev. Leopoldino Rodrigues Mateus, conterrâneo da noiva. Paraninfaram o acto os pais e tios dos noivos, D. Ana Joaquina da Costa Reis, D. Maria da Conceição Leite Reis Proença, Edmundo Ferreira Barbosa e José Ferreira Barbosa. No fim do religioso acto, foi oferecido em casa dos pais da noiva um copo de água em que os Srs. Cândido Manuel dos Santos e Bernardino Reis fizeram brindes impressionantes… e sentimentais. Muita felicidade aos noivos.
No dia 7 de Janeiro fez 60 anos o nosso Rev. Abade. Por sua intenção houve missa e comunhão em que tomaram parte a J.A.C., Cruzados Eucarísticos e muito povo que lhe tributam o maior respeito e veneração. Ad multos anos. C.

O elogio ao pároco é uma constante.
O P.e Leopoldino, em Balasar, prega, chama outros pregadores e animadores de renome para as festividades e para assistir as associações religiosas, faz discursos na escola, cria ele mesmo associações religiosas… Exemplar!



[1] O “vovente” não foi o pároco de Touguinhó, mas Bernardina Rosa. O então pároco de Touguinhó, que se chamava Custódio José de Araújo Pereira, era um homem muito abastado e exemplar. Pagou a nova Igreja Paroquial, que tem sobre a porta principal a data de 1842.

Um grave erro de avaliação



Perante a Alexandrina, o P.e Leopoldino teve, pelos vistos, um comportamento bastante legalista e hesitante. Na Casa do Calvário, nunca terá passado duma pessoa respeitada, sem chegar a ser um amigo ou confidente. Em sentido estrito, nunca a dirigiu nem foi seu confessor e o seu nome está ausente dos escritos, com excepção da Autobiografia.
Aquando da comissão nomeada pelo Arcebispo, não se colocou do lado da sua paroquiana; pelo contrário “foi o mais severo e o mais influente na decisão” tão gravosa que então se tomou (Dr. Azevedo) [1].

Mas o Cónego Molho de Faria era pessoa tão conceituada, tinha sido chamado a pregar tantas vezes na paróquia! Como havia um pároco de aldeia de se opor ao professor do Seminário Maior, formado na Gregoriana? E ainda havia o caso recente do P.e Oliveira Dias (colega do Molho de Faria no Seminário) e da sua Abscôndita… Mas era aí que o conhecimento da Alexandrina por parte do pároco deveria ter prevalecido…
A sua posição há de ter-se modificado nos derradeiros anos da vida da Alexandrina, como aconteceu com muitos dos seus mais obstinados adversários e como se revela nos escritos que lhe dedicou.
No arquivo da casa da Alexandrina, encontra-se uma carta do P.e Leopoldino Mateus, certamente dirigida ao P.e Humberto, que se enquadra no contexto das decisões tomadas após o exame da comissão de teólogos. Escreveu ele:

Balasar, 15/3/1945.
Rev.mo Senhor,
Saudações em Jesus Cristo.
Em resposta à sua carta, venho informá-lo que por ordem superior V. Rev.cia não pode exercer qualquer função sagrada na minha igreja e freguesia sem apresentar documento que prove ter jurisdição nesta Arquidiocese. Manda quem pode… obedece quem deve…
Uma comissão de teólogos, estudando o caso da Alexandrina, nada lhe encontrou de sobrenatural; por isso devem acabar as visitas dos padres e leigos, para fazer silêncio sobre a mesma.
Se a doente sofre, e creio isso, lá tem o seu Director Espiritual (que não sou eu) para a confortar e animar no sacrifício.
Não devemos meter a nossa fouce em seara alheia.
Agradecendo as suas atenções, subscrevo-me seu in corde Jesu
Lepoldino Rodrigues Mateus (pároco) [2].

Embora aluda ao sacrifício da Alexandrina, o facto de aceitar sem qualquer crítica a decisão da comissão dos teólogos – que também integrou – mostra como estava longe de entender o que com ela se passava.
De resto, mantém a afirmação fundamental da comissão: “estudando o caso da Alexandrina, nada lhe encontrou de sobrenatural”. E a Alexandrina já entrara no jejum completo (verificado pelos médicos) quase dois anos e meio antes, a consagração do mundo já tinha sido feita, o período em que ela revivia a Paixão com movimentos já ia longe…
Quando se publicou a biografia da Beata Alexandrina, não foi possível deixar de lá inserir uma menção da actuação da comissão dos teólogos. Naturalmente, ao menos desse pormenor tão relevante, o nome do P.e Leopoldino sai desacreditado. O P.e Humberto, por outro lado, não deixa de mencionar os artigos saídos no Ala Arriba que, esses sim, lhe são muito favoráveis.


[1] Esta opinião do Dr. Azevedo foi corroborada pela classificação atribuía à mencionada comissão aquando do Processo Diocesano. Veja-se o que escreveu o P.e Gabriele Amorth em Por detrás dum Sorriso.
[2] FERREIRA, José, Até aos Confins do Mundo, páginas 74-75.

Um Cortejo de Oferendas

O artigo da Prof.ª Zulmira Linhares sobre o P.e Leopoldino Mateus dá conta duma campanha em que o P.e Leopoldino se empenhou. O hospital poveiro atravessava uma séria crise financeira e era necessário mobilizar as pessoas para o ajudarem. O pároco de Balasar escreve três breves artigos para o Idea Nova e propõe num deles a realização dum cortejo de oferendas. O cortejo realizou-se e foi um sucesso.
A freguesia teve uma participação generosa: uma camioneta com lenha, batata e colmo, 60 cestos cheios de géneros, um casal de perus e a oferta de 2.300$00.

Nossa Senhora das Dores

A Prof.ª Zulmira Linhares facultou-nos cópia de dois artigos do P.e Leopoldino sobre Nossa Senhora da Dores saídos no Ala Arriba dos anos de 1957 e 1958. Vamos transcrever o primeiro deles. O autor já voltara para a Póvoa e naturalmente foi requisitado para escrever sobre o tema pelo seu amigo P.e José Cascão.
Num primeiro momento, o articulista analisa a situação existencial do homem, sujeito ao sofrimento, à luz da revelação bíblica, depois evoca a Mãe das Dores, cujo sofrimento ilumina a dor humana, e por fim refere-se à Procissão das Dores, que testemunha a fé na revelação cristã e é um exemplo concreto de esperança.

Todos A amam, todos A respeitam, todos A invocam, porque a dor acompanha a criatura desde o nascimento até à morte.
O homem nasce chorando, vive sofrendo, morre suspirando.
Ao princípio, nas delícias do Éden, reinava o amor, desempenhando o papel hoje atribuído à dor e bem mais satisfatoriamente que esta.
Se a dor nos ilumina e purifica, desprendendo-nos do que é efémero e elevando o coração dos mortais, mais rápida e nobremente exerce a mesma acção o amor.
Não houvesse fraquejado o primitivo amor no Paraíso terreal, se dele conservássemos no peito a chama viva em vez da pobre centelha que tão mal nos aquece, nunca teria existido a dor.
Precipitados no abismo da matéria, Deus, por efeito da Sua Infinita Misericórdia, concedeu-nos no próprio instante em que ia começar a queda, umas asas divinas com que nos sustentássemos e evitássemos a ruína irreparável.
O dilema está posto claramente: ou isto é a dor ou constitui uma fatalidade odiosa que inutilmente nos atormenta!
Temos de escolher entre a pesadíssima e gelada mão da fatalidade a triturar-nos, e contra a qual nada podemos, e a dextra carinhosa e paternal de Deus que, beneficente e compassiva, respeitando a nossa dignidade de seres feitos à Sua imagem e semelhança, nos toca apenas para nos melhorar e mo­dificar, a fim de que possamos alcançar uma eternidade feliz.
Entra um Deus infinitamente bom e um tirano modelíssimo (sic) não existe meio-termo.
O homem sem fé, sem temor de Deus vê no sofrimento uma penalidade que atormenta cruelmente a humanidade, mas o crente vê o justo castigo dos seus desvarios e um acto de amor divino para o chamar ao arrependimento e mudança de vida.
Temos, pois, que nos conformar com a sua sorte e com a assistência do Senhor.
Prevaricámos, devemos reparação ao Criador que nos tirou do nada, satisfação ao Redentor que nos resgatou da culpa!
Mas o homem é um ser insignificante que, olhando para a grandeza do Altíssimo a quem ofendeu, reconhece o seu nada, perdendo a esperança do perdão e da misericórdia.
Mas, de repente, uma doce visão lhe esclarece o espírito e alenta o coração, uma mulher, que é mãe, trespassado o coração com sete espadas de dor[1], lhe inspira confiança e levanta o ânimo triturado pelo sofrimento, dizendo-lhe com voz sentimental – Vê, filho, se há dor semelhante à minha dor!
Esta cena de compassividade e sentimento maternal dá-se todos os dias e milhares de vezes, por isso, não admira que Nossa Senhora das Dores, sempre terna e compassiva para os que sofrem, conte inúmeros devotos que, reconhecidos, acompanham a sua imagem tão encantadora e atraente que prende os corações que a ela recorreram nos momentos da angústia e do desamparo, formando um cortejo de gratidão e amor à Consoladora dos aflitos, à Protectora dos triturados pelo sofrimento.
No próximo domingo, ao passar a procissão em que tudo é alegria, observando as Confrarias acompa­nhando os grupos alegóricos, espera um pouco e, passado o pálio, pensa um instante nesse novo cortejo de agradecidos, revelador do panorama da dor e sofrimento a quem a Vir­gem Dolorosa protegeu e que justifica a grande devoção que os crentes lhe tributam, porque lhes valeu na desdita e no infortúnio.
Perante este quadro da dor e da gratidão, nada de desespero nem de desânimo – quando as tribulações da vida nos visitarem, levantemos os olhos, invoquemos com esperança o patrocínio de Nossa Senhora das Dores, que soube o que é sofrer e amar, e a paz, a alegria, o conforto voltarão ao nosso coração triturado pelo infortúnio.


[1] O outro artigo sobre Nossa Senhora das Dores intitula-se mesmo “As Sete Dores de Nossa Senhora”; o P.e Leopoldino enumera-as assim: 1ª – A apresentação do Menino Jesus no Templo; 2ª – Fugida da Sagrada Família para o Egipto (…); 3ª – Perda e Reencontro do Menino Jesus no Templo, entre os Doutores da Lei; 4ª – Encontro da Mãe e do Filho, condenado ao suplício da Cruz, na rua da Amargura; 5ª – Maria junto da Cruz, extática, serena, amargurada na contemplação do seu Amado Filho Agonizante; 6ª – A Senhora da Piedade, sentada aos pés do Madeiro Sagrado, com o Filho morto no regaço maternal; e 7ª – A Soledade de Maria Dolorosa.
Estas Dores estão documentadas em nichos, com várias estátuas cada um, no exterior da Capela de Nossa Senhora das Dores.

Literato

Conhecemos só uma parcela ínfima da produção jornalística do P.e Leopoldino. E dela há períodos que seria interessante identificar e analisar: estamos a referir-nos ao jornalismo de combate praticado n’O Poveiro em 1911 e 1912 e à colaboração particularmente exigente enviada para jornais de circulação nacional.
Já se viu acima como O Intransigente pretendeu atribuir ao P.e Leopoldino certas secções d’O Poveiro, como as fantasistas crónicas intituladas “De Relâmpago” e a “Secção Alegre”. As primeiras, porque misturavam sistematicamente prosa com verso e tinham uma parcela de ficção muito saliente, interessam-nos muito. Eram assinadas pelo pseudónimo de Aeronauta e deviam incomodar tanto que chegaram a ser parodiadas n’O Intransigente. Mas não nos é possível identificar quem fosse o seu verdadeiro autor. Segundo O Poveiro de 28 de Setembro de 1911, já teriam sido alvitrados 12 nomes. E o jornal conclui assim a nota em que fala do Aeronauta:

Acordem; já era tempo de saberem quem era o Aeronauta.
O Aeronauta… é o Aeronauta.

No mesmo mês de Setembro, O Intransigente escreveu uma vez:

Olha o Padre Leopoldino
A escrever a “Secção Alegre»…
P’ra brunir as ferraduras
Do Cabral tem um bisegre…[1]

Certo, certo é que não conseguimos identificar com segurança a colaboração do P.e Leopoldino para O Poveiro e mesmo para outros jornais. E isso ser-nos-ia muito útil para avaliarmos a arte da sua escrita e para percebermos como se foi afirmando como jornalista credível.
Em 20 de Dezembro de 1943, ele publicou n’O Comércio da Póvoa de Varzim uma pequena narrativa com o título de Conto do Natal. Trata-se duma história muito bem arquitectada. Revela-se aí como um homem experiente da escrita de ficção.
A história começa quando Nicolau, o protagonista, e a esposa, Sofia, vivem um momento crítico, o da partida do mesmo Nicolau para a Primeira Grande Guerra. Dão-se-nos depois os antecedentes da vida do casal, para a seguir voltar ao tempo inicial.
A acção tem um começo vulgar; surgem depois as complicações, primeiro a do amor, vencida pela ousadia dum casamento entre pessoas de desigual nível económico e social, depois a da guerra. Acaba contudo em final feliz, mas um final que exigiu penoso sacrifício ao par.
O que se nota é que o autor é expedito em manusear os ingredientes, sejam eles o discurso narrativo ou descritivo, seja a organização das sequências ou a vivência dos estados de espírito. Parece pessoa experimentada.
Num tempo em que a onomástica masculina e feminina recorria a uma gama muito limitada de nomes, é curioso que o autor use para as suas personagens antropónimos tão pouco comuns.
A aldeia do Minho onde moravam o Nicolau e a Sofia do conto podia muito bem ser Balasar, onde não faltavam casas abastadas. A crítica às exigências paternas quanto ao nível económico das noivas ou dos noivos era muito justificada. Lembra por vezes Júlio Dinis, pela intenção moralizante, mas tem feição muito própria.
Ao tempo da publicação desta história, em 1943, decorria a Segunda Guerra Mundial; embora Portugal não participasse, ela dava-lhe actualidade.
É muito provável que o P.e Leopoldino tenha escrito e publicado vários outros contos "do Natal". De facto, posteriormente e em jornais diferentes, sairão pelo menos mais seis com o mesmo título. Um é assinado por Óscar, que deve ser pseudónimo, os outros saíram todos anónimos. Todavia aparentam-se muito com os escritos do P.e Leopoldino. 
No artigo da Prof.ª Zulmira Linhares, onde vem o conto acima resumido, transcreve-se também um poema do P.e Leopoldino de tema natalício, com o título de Noite de Natal. É um belo poema narrativo, em quadras de redondilha, que recria os momentos que precederam e seguiram o nascimento do Salvador.
Com os artigos históricos sobre Balasar que fez sair n’A Propaganda e no boletim Póvoa de Varzim, este sacerdote poveiro iniciou o estudo da história de Balasar. Embora se tenha fixado num período temporal bastante recente, o trabalho tem um inegável mérito e supõe uma recolha de informação muito variada.


[1] O bisegre é um “instrumento usado pelos sapateiros para brunir os tacões e as bordas das solas do calçado”.

A despedida

Na altura de deixar Balasar, o P.e Leopoldino contava 77 anos e o seu estado de saúde não era o melhor. Veja-se, a propósito, este diálogo que ele teve com a Beata Alexandrina e que publicou no seu artigo de 13/10/56 no Ala Arriba:

Um dia, sentindo que as forças me iam definhando, disse-lhe:
Alexandrina, parece-me que vou deixar-vos, porque me não sinto com alento para o pesado ónus desta longa freguesia.
A doente calou-se, mas, volvidos alguns dias, antes de lhe dar o Pão da Vida, ao abeirar-me do seu leito, diz-me:
“Senhor Abade, não receie perder o vigor para deixar a freguesia; porque pedi a Nosso Senhor que eu morresse antes de V. Rev.cia nos deixar e Ele prometeu-me que sim, e a sua palavra não falta”.
E assim sucedeu.

Uma fotografia tirada na altura mostra-o efectivamente muito alquebrado.
No tempo em que paroquiou a freguesia, 23 anos, o P.e Leopoldino preocupou-se sobretudo com a formação religiosa e mesmo cultural dos seus paroquianos. Para isso trazia aí os mais conceituados pregadores do tempo.
Contam-nos também que, em termos de política, soube sempre dialogar quer com quem, como ele, abertamente apoiava o regime quer com os seus opositores, o que é notável.
Deixou duas obras materiais, a colocação de novos sinos na torre e o artístico cruzeiro da paróquia.
O P.e Leopoldino, no Verão, passava sempre uma breve temporada na Póvoa, por razões de saúde, mas sem dúvida também para cultivar as suas amizades poveiras.
Foi para aí que se retirou quando deixou Balasar.


O apagamento

Segundo um testemunho inserido pela Prof.ª Zulmira Linhares no artigo que lhe dedicou, este antigo pároco faleceu com 87 anos e terá vivido em cruel penúria os últimos dez:

Foi nestes dez anos finais (1956-1966) que o P.e Leopoldino talvez tenha passado o período mais sombrio, negro, preocupante e agreste da sua existência. Esgotado o mealheiro, sua irmã, que com ele havia partilhado a vida paroquial, parte pelas ruas da Póvoa a mendigar auxílios materiais para a subsistência de ambos - a sua e a do irmão sacerdote. Esta situação humilhante chocou-nos. Dela demos conhecimento ao Superior Hierárquico e julgamos que o facto terá sido atenuado, se não remediado.

Ultimamente informaram-nos que esta penúria se originara num empréstimo que o P.e Leopoldino fizera a uma sobrinha, para ela comprar uma motora, e que nunca devolvera o dinheiro.
Uma notícia necrológica sobre o P.e Leopoldino exprime-se assim a dada altura:

Jornalista devotado, sempre presente em todas as emergências em que a sua terra dele necessitasse, bondoso e incansável trabalhador, deixa o saudoso sacerdote todos os seus conterrâneos na maior mágoa.

A mesma notícia reconhece-o como “dotado de grande inteligência” e “notável orador sacro”: deve ter pregado pelo menos uma boa centena de sermões. 
Quanto a inteligência, sabemos que era um homem culto e que escrevia com fluência, numa prosa de agradável leitura; sobre a sua oratória, não é fácil hoje avaliá-la, quer porque a oratória é um saber prático, e por isso só quem o ouviu é que sobre ela se podia capazmente pronunciar, quer porque não consta que deixasse qualquer sermão escrito.
Do seu espólio pessoal, disseram-nos que depois de estar durante anos ao abandono terá ido para o lixo. Mas não terá sido assim: na próipria Biblioteca Municipal de Rocha Peixto haverá livros procedentes desse espólio.